sábado, 31 de agosto de 2013
Um convite à generosidade.
Jesus continua sua subida para Jerusalém. À medida que faz seu
caminho para o Pai, ele vai instruindo os seus discípulos. Um israelita de
verdade mantém os ouvidos sempre abertos, pois ele sabe que toda sabedoria vem
de Deus, e se deixa instruir por Deus: “O homem sensato medita as máximas em
sua oração, ouvido atento, eis o que o sábio deseja” (Eclo 3,29).
O episódio do evangelho deste domingo se dá durante uma
refeição, “na casa de um dos chefes fariseus” (v. 1). Duas outras vezes Jesus
foi, segundo Lucas, a uma refeição na casa de fariseus (7,36; 11,37). Há entre
Jesus e os fariseus uma mescla de simpatia e resistência. Os fariseus,
efetivamente, desejam viver fielmente sua religião e creem servir a Deus
através de suas práticas, sobretudo, uma determinada prática da Lei.
Mas a rigidez quase obsessiva os cega, liga-os de modo estreito
à letra do texto; a Lei de Deus é para eles um conjunto de regras e preceitos.
Esse modo de cumprir a Lei, que eles julgavam ser o correto, fazia com que se
esquecessem do essencial da Lei: o amor a Deus e o amor fraterno. Tal modo de
interpretar a Lei os impedia de olhar para os outros com misericórdia e pôr em
prática a palavra do Senhor: “É misericórdia que eu quero, e não sacrifícios”
(Os 6,6).
A refeição na casa de um dos chefes dos fariseus acontece num
sábado, dia dado pelo Senhor para celebrar o dom da vida, através da obra da
criação, e a libertação do país da escravidão.
Mesmo que em nosso relato os interlocutores sejam os que estavam
na casa dos fariseus, são os discípulos os instruídos; é a comunidade cristã
que deve aprender como se comportar no novo tempo. A instrução é motivada pela
observação de “como os convidados escolhiam os primeiros lugares” (v. 7). A
parábola utiliza a imagem do casamento, em que os lugares já eram
predeterminados.
Há duas lições: o lugar é recebido de quem convidou para a festa
(cf. v. 8-11). Certamente é outro modo de dizer: “Guardai-vos de praticar a
vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles” (Mt 6,1; ver
também: Pr 25,6-7). A segunda é um convite à generosidade: “... quando deres um
banquete, convida os [que] não têm como te retribuir!” (cf. vv. 12-14). É
preciso renunciar ao anseio de recompensa ou retribuição: “Se amais os que vos
amam, que graça alcançais? Até mesmo os pecadores agem assim. Se fazeis o bem
aos que no-lo fazem, que graça alcançais? Até mesmo os pecadores agem assim… E
se emprestais àqueles de quem esperais receber, que graça alcançais?... Fazei o
bem e empresteis sem esperar coisa alguma em troca” (Lc 6,32-35).
Carlos Alberto Contieri, sj
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sábado, 24 de agosto de 2013
O discípulo é chamado a fazer uma opção: entrar pela “porta estreita”
O texto do evangelho menciona a subida para Jerusalém (v. 22; cf. 9,51).
Trata-se da parte central do evangelho segundo Lucas e que, mais que um trajeto
geograficamente preciso, tem um valor simbólico e didático: são lições que
Jesus dá aos discípulos na expectativa de sua “saída” deste mundo.
“Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (v. 23). A salvação é um dom de Deus e compete somente a ele. Aos discípulos compete viver esta graça, configurando a sua vida à vida de Cristo.
O discípulo é chamado a fazer uma opção: entrar pela “porta estreita” (v. 24). A porta estreita é oposta à prática da iniquidade (v. 27). No evangelho segundo João, Jesus se apresenta como a porta das ovelhas (Jo 10,7.9): “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo” (Jo 10,9). É por Jesus que se alcança a salvação. Toda a sua existência terrestre e a sua vida gloriosa é que dão acesso ao Reino de Deus. Os que praticam “a iniquidade” (v. 27) são os que resistem a fazer a vontade de Deus; os que, pela dureza de coração, se opõem, perseguem Jesus; são aqueles para os quais a morte de Jesus é como uma “porta fechada” (v. 25). É evidente que Jesus falava de seus contemporâneos, dos que perderam a oportunidade de reconhecer o tempo da visita salvífica de Deus (cf. 1,6; 7,16). A vida de cada um, e o definitivo da existência humana, se decide diante “diante do dono da casa”, do Cristo Ressuscitado, pela adesão ou rejeição a ele. Mas a salvação não se restringe a um povo; a humanidade inteira é destinatária da salvação de Deus em Jesus Cristo: “Virão muitos do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão parte à mesa do Reino de Deus” (v. 29).
Não necessariamente os que foram chamados primeiro aceitarão participar do banquete do Cordeiro. Mas os últimos, os pagãos, têm também lugar assegurado, desde que aceitem entrar pela "porta estreita”.
Carlos Alberto Contieri, sj
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sábado, 17 de agosto de 2013
A festa da vitória de Deus
A solenidade da Assunção da Mãe de Deus é, em primeiro lugar, a
festa da vitória de Deus e do seu Cristo sobre o mal e a morte. Deus é o Senhor
da vida. “Por um só homem a morte entrou no mundo, também por um só homem vem a
ressurreição dos mortos. Assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos
receberão a vida” (1Cor 15,21-22).
A festa da Assunção da Mãe de Deus é a festa da
Páscoa do ser humano, da participação da nossa humanidade na Páscoa de Cristo.
O trecho do livro do Apocalipse é uma visão, uma revelação de um
grande sinal. Como se trata de um sinal, ele precisa ser interpretado e bem
compreendido. Este grande sinal é o da Igreja triunfante, na eternidade (“lua
debaixo dos pés – v. 1), vitoriosa (“coroa de doze estrelas” – v. 1), iluminada
com a luz do Cristo Ressuscitado (“vestida com o sol” – v. 1), pronta para dar
à luz (v. 2); a Igreja fiel ao seu Senhor gera, pela fé, novos filhos. É
ameaçada pelo Dragão (vv. 3-4), e protegida, ela e seu filho (v. 5-6). Essa
imagem não foi aplicada imediatamente a Maria, somente mais tarde e como fruto
do amadurecimento da fé da Igreja na ressurreição de Jesus Cristo.
A mãe de Deus é modelo do
discípulo que, não obstante a perseguição e o sofrimento, guarda fielmente a
palavra de Cristo. O texto do Apocalipse tem como finalidade manter viva a
esperança da Igreja peregrina e sustentar o seu testemunho. A mãe do Senhor é
ícone da Igreja.
O dogma da Assunção, defendido em 1950 pelo Papa Pio XII, afirma
que Maria foi “elevada à glória celeste”. Não se trata de um deslocamento
espacial. Não se afirma uma nova localização, mas a transfiguração do corpo e a
passagem de sua condição terrestre para a condição gloriosa da totalidade de
sua pessoa (= corpo e alma).
A festa da Assunção é a festa do destino do ser humano: destinado
à plenitude da felicidade – isto é, à “glória celeste”. A vida de Maria, como a
nossa vida, não se encerra nos limites desta história, mas tende plenamente
para Deus, por quem ela é atraída desde sua concepção. A Assunção de Maria é
sinal concreto de esperança para todo o gênero humano; é sinal da dignidade
presente e futura do homem criado e redimido por Deus.
sábado, 10 de agosto de 2013
O Reino de Deus é o tesouro!
O Senhor sobe para Jerusalém. Não nos esqueçamos de que a subida
tem uma função didática: enquanto sobe para a sua morte (cf. Lc 9,51), Jesus
ensina e instrui os discípulos. Subindo para sua morte ele vai, por seus gestos
e palavras, semeando a vida.
É bastante provável que o “atraso da parúsia” tenha criado na
comunidade cristã primitiva um clima de desânimo e de laxismo. Isto pode ser
verificado pela insistência e pelo espaço que o tema da vigilância ocupa no
relato (vv. 35.40.43). Nosso texto é constituído por uma série de conselhos que
Jesus dá aos discípulos; compreenda-se que eram os responsáveis pela vida da
comunidade.
Trata-se de agir em conformidade com a vontade de Deus – isto é
o essencial para a comunidade cristã. A história, nosso caminho para a pátria
celeste, é o lugar do testemunho dos cristãos.
Antes de tudo é preciso ter presente que o Reino é dom de Deus e
que, por isso mesmo, ninguém pode tirá-lo ou se apropriar dele como sendo seu.
Daí que não há o que temer. Da comunidade é exigido não se dispersar, nem ser
assimilada pelos bens terrenos, mas viver o valor fundamental de sua vocação:
buscar o Reino de Deus. Este é o seu tesouro! Esta busca exige “vigilância” e,
como toda busca, empenho para buscar, encontrar e realizar a vontade de Deus.
A comunidade cristã deve ser caracterizada pela disponibilidade
cultivada pela iluminação da Palavra de Deus: “Ficai de prontidão, com o cinto
amarrado e as lâmpadas acesas” (v. 35). O Senhor vem continuamente ao encontro
do seu povo. A imprevisibilidade desse encontro exige a atitude religiosa da
vigilância. É ela que possibilita viver a expectativa e o desejo permanentes
desse encontro vital para a vida e o testemunho cristão.
Carlos Alberto Contieri, sj
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sábado, 3 de agosto de 2013
A falta de diálogo
Muitas vezes, e com relativa frequência, o editor da Bíblia vernácula atribui títulos às perícopes, ou unidades literárias, que não só não ajudam como induzem o leitor a erro de interpretação. É bem o caso do trecho do evangelho deste domingo.
Geralmente, esta parábola tem sido intitulada “Parábola do rico insensato”. A palavra “insensato” só aparece no v. 20; ademais, seria empobrecer a mensagem da parábola pensar que o problema do personagem consiste unicamente na acumulação de bens e numa maneira de possuir mais, totalmente estranha à fé em Deus. A parábola tem alcance muito maior. O verbo “dizer” é repetido várias vezes (vv. 17.18.19), num monólogo do personagem único, solitário e sem próximo. Esta observação, e se é necessário, pode nos levar a intitular a parábola deste modo: “O esquecimento fatal do diálogo”.
Esquecimento do diálogo com Deus, no que concerne ao rico proprietário (vv. 16ss), e do diálogo entre os dois irmãos acerca da partilha dos bens (vv. 13-14). O v. 15 faz a transição entre o pedido de arbitragem de um dos irmãos e a parábola.
A palavra traduzida por “ganância”, no v. 15, em grego exprime uma vontade de ter superioridade, um desejo de poder: “... pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens” (v. 15). Isto significa que a riqueza não impede a morte inesperada. A abundância, o ter, pode substituir Deus. Ao invés de nos fazer disponíveis, essa facilidade ou abundância é em que nós confiamos, de fato. Isto é uma ilusão: eu creio possuir, mas, de fato, eu sou possuído! O importante é a nossa maneira de possuir, isto é, o papel que tem no nosso ser profundo o que nós possuímos.
Resumidamente, a parábola nos faz perguntar: Você é por ou contra Deus? É esta a questão posta ao rico: “E para quem ficará o que acumulaste?” (v. 20). Cabe a nós, diante do Senhor, respondermos também a isto: O que é que me enriquece de bens que não se contabilizam, mas modelam meu rosto, num olhar sobre o mundo, sobre os outros e sobre mim mesmo?
Carlos Alberto Contieri, sj
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