sábado, 24 de março de 2012

HOMILIA V DOMINGO DA QUARESMA – ANO B



Jesus se compara com o grão de trigo, que, se fica preservado, imune e não morre, não produz fruto. Mas se o grão de trigo morre, como iria acontecer com Ele, é que vai produzir fruto (Jo 12, 24). É o que aconteceu com a Ressurreição do senhor e com a expansão da Igreja. E Jesus compara a Sua morte redentora com uma glorificação, e é real porque ao morrer na Cruz por todos nós, o Senhor obtém a nossa salvação e isto é glória para Ele. Despojado da glória do mundo, Jesus busca a glória do Pai Celeste, glória esta que coincide com a nossa salvação. E esse despojamento é o modelo para nós: “Quem se apega a sua vida perde-a, mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna” (Jo 12, 25). Ou seja, o paradoxo evangélico é real: ao buscarmos a segurança do mundo e a sua glória, enveredamos para o nada, já que tudo passa. Mas ao contrário, renunciando à glória e à segurança material e terrena, nos firmamos em Deus e na Sua segurança infinita.

Jesus fala, outrossim, do julgamento deste mundo e que neste julgamento o chefe deste mundo (o demônio) vai ser expulso. O inimigo é destronado e expulso, justamente quando Jesus morre na Cruz para a nossa salvação (Jo 12,31). São Paulo, a respeito dessa realidade nos diz: “Cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos coordenavam, aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na Cruz” (Cl 2, 14). Vencendo o demônio, Jesus elevado (na cruz) atrai todos a Ele (Jo 12,32). O evangelho que estamos citando conclui: “Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer” (Jo 12, 23). Assim na Sua morte, há a glória do Senhor, porque destrói o reino do inimigo e nos salva.

A segunda leitura aponta para a redenção operada por Jesus, por causa da Sua entrega a deus, porque “mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. Mas, na consumação de Sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que Lhe obedecem” (Hb 5,8-9). Assim, como Jesus obedeceu ao plano do Pai, nós também devemos vivenciar a mesma obediência. A salvação recebida, assumida, vivenciada passa pela obediência ao Pai, em Jesus Cristo. Esta obediência está em linha oposta ao orgulho, porquanto este leva-nos ao fechamento em nós mesmos.

A vida nova, na obediência a Deus, em Jesus Cristo, parte da Nova Aliança prometida por Deus já no Antigo Testamento: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança” (Jr 31,31). E uma aliança escrita nos corações capacitando ao povo de Deus a força para cumprir a vontade de Deus: “Eles serão o meu povo e eu serei seu Deus” (Jr 31, 33). O que possibilita esse reconhecimento a Deus: “Todos me reconhecerão, do menor ao maior, diz o Senhor, pois perdoarei sua maldade, e não mais me lembrarei do seu pecado” (Jr 31, 34). Na Nova Aliança já presente em nós pelo nosso Batismo e alimentada a cada Eucaristia, Deus nos faz novos, com força de vivenciarmos a obediência a Ele. Compete-nos colaborar com Deus acolhendo-O, deixando-O agir em nós e fazendo o que nos incumbe.

Portanto, a Nova Aliança firmada no Sangue Redentor de Jesus, o grão de trigo que ao morrer na Cruz nos traz a salvação, deve ser acolhida na fé e na obediência a Deus nosso Pai, no fundo de nossos corações. Esta realidade que nos faz novos, pela graça divina, nos interpela a nova humanidade que expressa esse ser novo no agir igualmente novo: ao invés do orgulho e da desobediência, passemos à humildade e obediência ao projeto de Deus, o qual inclui a fraternidade que vive e faz o bem, sobretudo aos nossos irmãos enfermos.

Monsenhor José Geraldo da Silva Pinto Souza
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sábado, 17 de março de 2012

HOMILIA IV DOMINGO DA QUARESMA


A antífona da entrada “Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66, 10s) é um convite para que o cristão se alegre, portanto a conversão nossa a Deus e ao próximo tem uma forte dimensão alegre. A oração inicial da missa nos faz pedir a Deus “concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando de fé”. A restauração do povo de Israel, por Ciro, após o exílio da Babilônia, foi um fato de muita alegria e é uma imagem profética de restauração de toda humanidade por Nosso Senhor Jesus Cristo.

A segunda leitura aponta para a misericórdia de Deus, que nos amou com um grande amor: “quando estávamos mortos por causa das grandes faltas, Ele nos deu a vida em Cristo” (Ef 2, 6). Cristo como cabeça da Igreja já nos salvou, mas é preciso de nossa parte acolher, receber, assumir, frutificar esta salvação. O texto volta a dizer “com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé” (Ef 2, 8). A fé é, além de crer, este assumir a salvação. “A fé é um dom de Deus” (Ef 2, 8), mas é também um ato continuo de nossa parte, dando o nosso sim à graça restauradora de Jesus.

As boas obras, com a força da graça recebida na fé, são necessárias: “nós fomos criados em Jesus Cristo para as boas obras, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos” (Ef 2, 10). Uma dessas obras é “pôr-se a caminho” para a Nova Jerusalém (o Céu), como Ciro, na primeira leitura conclamou ao povo de Israel que se pusesse a caminho para a reconstrução de Jerusalém, que estava destruída pelos babilônios. Hoje, a Nova Jerusalém foi reconstruída por Jesus quando morreu e ressuscitou, reconstrução da qual participamos. E é um trabalho “já feito” e “não ainda”, no sentido de que essa reconstrução, por nossa parte, está em processo.

Esta fé em Jesus parte da Sua Cruz Redentora: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o filho do Homem (Jesus) seja levantado (na Cruz), para que todos os que n’Ele crerem não morram mas tenham a vida eterna” (Jo 3, 14-15). Esta morte redentora de Jesus provém do amor do Pai para conosco (Jo 3, 16). Deus quer salvar, justamente por Seu amor, o mundo, todos e cada um (Jo 3,17). Mas se não crermos em Jesus, se não nos abrirmos à salvação que Ele nos trouxe, podemos nos condenar (Jo 3, 18). E a fé tem que se expressar em obras (Jo 3, 20), porque quem não se aproxima da luz de Jesus é porque preferiu estar nas obras das trevas (ibidem). Mas se agirmos conforme a verdade (sob a luz da fé em Jesus) nossas obras são realizadas em Deus (Jo 3,21).

Crer no Cristo crucificado e ressuscitado. Não podemos chegar ao Cristo ressuscitado (Vitorioso) se não passarmos pela cruz, pelo Cristo crucificado. Porquanto Ele mesmo disse: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24). São Paulo entendeu muito bem essa realidade quando disse: “Estou pregado à cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou: é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 19b-20c). E o Evangelho de hoje destaca: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto (a serpente de bronze), assim é necessário que o Filho do Homem (Jesus) seja levantado (na Cruz), para que todos os que n’Ele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3, 14-15). Ou seja: ao olharem para a serpente de bronze (Nm 21, 4-9), os israelitas ficavam curados das mordeduras das serpentes no deserto (Deus curava-os mediante o arrependimento porque haviam murmurado contra Deus) ao olharem para esse imagem, que era instrumento de Deus. Agora ao olharmos para o Cristo crucificado (com fé e arrependidos) ficamos curados das mordeduras da serpente maligna, curados do demônio.

Portanto, pela misericórdia de Deus, que enviou Seu Filho para nos salvar, olhando para Ele, com fé e arrependidos, obtemos a salvação, expressa nas obras da luz. E esta restauração é fonte de alegria. Nossa penitência quaresmal tem, então, esta dimensão alegre. Alegria que devemos levar para os nossos irmãos sofredores, principalmente aos enfermos, para que eles encontrem em Jesus, através da Palavra, da Eucaristia e de nossa ação cristã de amor e fé, a alegria que vem do Senhor e conduz a Ele em clima de comunidade que caminha para o céu.

 Monsenhor José Geraldo da Silva Pinto Souza
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sábado, 10 de março de 2012

HOMILIA III DOMINGO DA QUARESMA – ANO B


Aproximando-se a Páscoa daquele ano, Jesus vai ao templo e lá encontra um grande comércio de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas que trocavam moedas para essas compras. Estavam no pátio interno do templo, mas este recinto era considerado sagrado. Então Jesus derruba as mesas dos cambistas e, com um chicote de cordas expulsa os vendilhões, dando chicotadas no ar, dispersando aqueles animais que estavam à venda. E disse: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. E os seus discípulos lembraram-se de uma citação do Antigo Testamento, que se aplicava à situação: “O zelo por tua casa me consumirá”. Essa purificação do templo é uma imagem da purificação do nosso templo interior, que, nesta quaresma deve estar ainda mais pleno de Deus e livre de tudo que impeça o Reino de Deus crescer em nós.

Esta atitude de purificação cada vez mais profunda e ampla é ligada à sabedoria que emerge do Cristo crucificado. Ele que se deixou ser preso, pregado a cruz, morto e sepultado, leva-nos ao despojamento de nosso egoísmo, orgulho e poder humano para centrarmos a nossa vida na humildade, no serviço, na fraternidade. A segunda leitura (1 Cor 1, 22-25) nos conduz a esta sabedoria da cruz que é oposta à sabedoria dos gregos (hoje, a sabedoria das paixões desregradas, do ateísmo e da razão desligada da fé). Oposta também à sabedoria dos que buscam milagres de modo desenfreado (naquela época, os judeus das classes dirigentes). Isto porque a cruz nos convida ao amor-doação (Jesus se doa por nós na cruz para nos salvar) e não para a exibição, como os sinais que exigem de Jesus (Jo 2, 18).

O caminho desta verdadeira sabedoria passa também pela prática dos 10 mandamentos da Lei de Deus, presentes na primeira leitura (Êx 20, 1 – 17). Ou seja, caminhar na obediência a Deus, como Jesus obedeceu ao Pai assumindo a cruz, para nos salvar. Obedecer a Deus é, no mínimo, obedecer aos seus mandamentos, os quais exigem de nós a renúncia ao falso caminho do mundo hostil a Deus, renúncia esta que exige o amor a Deus e o amor ao próximo, por causa de Deus.

O salmo 18 nos convida a ver a Lei de Deus em sua perfeição, que conforta a alma e é sabedoria dos humildes. São preceitos exatos, precisos na medida certa para o mínimo que devemos fazer para agradar a Deus e nos salvar. Darão alegria ao coração ao mesmo tempo em que iluminam nossos olhos para assumirmos o caminho de Deus. Trazem a doçura espiritual, que é a alegria de fazermos à vontade de Deus, a qual é sempre em nosso favor.

Jesus fez muitos sinais (os milagres), mas sempre para manifestar a Sua compaixão para com os sofredores. Por isto, muitos creram em Jesus (Jo 2, 23), mas enfocando o poder de Jesus, não a Sua compaixão e, por isto, “Jesus não lhes dava crédito, pois Ele (sabia) conhecia a todos e não precisava do testemunho de ninguém a cerca do ser humano, porque Ele conhecia o homem por dentro”(Jo 2, 23-25).

Aproximando-se a Páscoa (= passagem salvífica) procuremos deixar que o Espírito Santo nos purifique mais fortemente, para acolhermos o Senhor Jesus morto e ressuscitado a cada vez mais intensamente, numa vivência da fé viva n’Ele e na prática dos mandamentos da Lei Divina. E vivamos o amor de Deus amando ao próximo, sobretudo aos enfermos, que são o objetivo da Campanha da Fraternidade.

Monsenhor José Geraldo da Silva Pinto Souza
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sábado, 3 de março de 2012

HOMILIA II DOMINGO DA QUARESMA


Jesus se transfigurou no Monte Tabor levando como testemunhas do fato maravilhoso, os apóstolos Pedro, Tiago e João. Suas vestes tornaram-se resplandecentes e muito alvas, anunciando assim a Sua glória em sua Ressurreição. Um fato também maravilhoso foi a aparição de Moisés e Elias (ambos, figuras proeminentes do Antigo Testamento, que estavam no céu) que conversavam com Jesus. Pedro toma a palavra e se oferece para fazer três tendas, uma para Jesus, outra para Moisés e a outra para Elias, como que quisesse que eles ficassem lá estabelecidos no monte Tabor. Diz o texto do evangelho de Marcos que “Ele não sabia o que falavas porque estavam sobremaneira aterrorizados” (v.4)

Há nesse fato uma teofania, ou manifestação de Deus, do Deus Uno e Trino (SS. Trindade) “o Pai se manifesta na voz: “Este é o meu filho muito amado; ouvi-O”. O Divino Espírito Santo se manifesta pela nuvem luminosa e o Filho está manifestado na Sua transfiguração. O Tabor com a transfiguração do Senhor é uma prova, uma “amostragem” da futura (então) ressurreição de Jesus, bem como a nossa que se dará no Juízo Final. Mas os apóstolos ao ouvirem que não contassem a ninguém o que tinham visto, “até que o Filho do homem tivesse ressuscitado dos mortos” não entenderam isso e comentaram entre si o que queria dizer “ressuscitar dos mortos” (vv 9 a 10).

Na 1ª leitura há uma prova terrível a qual Abraão foi colocado por Deus para testar a sua fé e obediência: o sacrifício de Isaac, o filho único, que havia nascido por milagre, já que sua mãe, Sara, era estéril e idosa. (Gn 22) Abraão se prontifica a cumprir a ordem de Deus. Mas o Senhor livrou Abraão dessa prova propiciando um cordeirinho que foi mostrado, naquela montanha isolada, por um anjo. E Deus anuncia novas bênçãos para Abraão: “Eu te abençoarei e tornarei tão numerosa tua descendência como as estrelas do céu e como as areias da praia do mar, teus descendentes conquistarão as cidades dos inimigos, por tua descendência, serão abençoadas as nações da terra, porque me obedeceste” (Gn 22). Há aqui uma transfiguração: Isaac de filho querido passa por uma situação de vitima sacrifical e por fim é resgatado para a vida, pelo próprio Deus.

O Salmo (115) nos convida a guardar a fé mesmo dizendo “é demais o sofrimento em minha vida”. Foi o que fez Abraão e é o que fez Jesus dando a Sua vida por nós em Sua Morte de Cruz e resgatando-a com a Sua ressurreição. Temos que executar essa transfiguração, sob a ação do Espírito Santo: passarmos da vida de pecado à vida da graça divina. Passarmos dos sofrimentos à fé confiante em Deus, de que vamos ter uma nova realidade.

Na 2ª leitura São Paulo nos fala de São Paulo nos fala de que “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8, 31). Ou seja, se confiamos em Deus e nos colocarmos sob a sua proteção, nada poderá nos prejudicar. E a razão é que Deus não poupou o seu próprio Filho, entregando-O a Paixão e Morte para nos salvar. E mais ainda: Deus Pai ressuscitou a Jesus, expressando e realizando a transfiguração fundamental, que é a vitória de Jesus sobre a morte. E vitória que será nossa também.

Neste tempo de quaresma assumamos nossa transfiguração a cada vez mais intensa e projetiva para eternidade: de pecadores a uma santidade crescente de omissos para uma fé engajada, de insensibilidade à caridade ativa, sobretudo para com os enfermos.

Monsenhor José Geraldo da Silva Pinto Souza 
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