domingo, 23 de fevereiro de 2014

A novidade de Jesus


À luz da santidade de Deus, o trecho deste domingo do livro do Levítico interpela o povo de Deus a tirar as consequências para a vida de sua vocação à santidade. É em relação ao próximo que essa vocação se realiza. “Próximo”, aqui, é o membro do povo de Deus (cf. Lv 19,18). O reconhecimento da santidade de Deus implica da parte do povo de Deus atitudes em relação ao próximo: não permitir que o ódio e o desejo de vingança tomem conta do coração e sejam a motivação de uma ação em relação ao próximo; ao contrário, a atitude que deve caracterizar a relação entre os membros do povo de Deus é o amor.


O texto do evangelho deste domingo parte do longo “sermão da montanha” (Mt 5–7), apresenta duas antíteses, entre outras presentes no capítulo 5 do primeiro evangelho (vv. 21-26; 27-32; 33-37; 38-42; 43-48), que dão conteúdo ao que significa a justiça dos discípulos, a qual deve superar a dos escribas e fariseus (cf. Mt 5,20). Na primeira antítese de nosso trecho, trata-se de superar a lei do talião (talis = tal). Em resumo, a lei do talião era a reparação exigida do criminoso e devia ser proporcional ao mal causado por ele a alguém. Para os discípulos de Jesus, essa superação da lei do talião exige a capacidade de perdoar, assim como do alto da cruz, no mais absoluto abandono, Jesus o fez: “Pai, perdoai-lhes…” (Lc 23,33). “Não resistir ao malvado” significa não se deixar levar pela sede de vingança, não pagar o mal com o mal. A antítese seguinte (vv. 43-48) amplia em muito a exigência do amor. A “nova justiça” exige o amor aos inimigos. É a atitude própria de quem é misericordioso (cf. Mt 5,7) e promove a paz (cf. Mt 5,9). A conclusão do conjunto das antíteses (v. 48) pode servir à conclusão de todas as demais: a perfeição de Deus está na universalidade de seu amor. O amor de Deus não tem nenhum tipo de fronteira. Sendo assim, o povo de Deus deve, na sua vida, imitar o modo como ele é amado por Deus. É no amor, do qual o perdão é um imperativo, que se realiza a justiça superior exigida dos discípulos.

Carlos Alberto Contieri, sj

FONTE: http://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=evangelho
.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Uma fonte de bênção


Encontramos no texto deste domingo do livro do Eclesiástico (Eclo 15,16-17) ressonâncias de Dt 30,15-20, situado no longo e último discurso de Moisés. Aí achamos as duas vias apresentadas pelo Senhor para a decisão de cada membro do povo de Deus (cf. tb. Eclo 15,16b.17b), e uma forte exortação a guardar os mandamentos do Senhor (Dt 30,16.19b-20). É no cumprimento dos mandamentos da Lei de Deus que está a vida e a felicidade. A influente tradição deuteronomista insiste que o cumprimento irrepreensível da Lei é uma fonte de bênção (cf. Dt 28,1-14); sua rejeição, uma fonte de maldições (Dt 28,15ss).

O evangelho deste domingo, situado no início do longo “sermão da montanha” (5–7), começa por eliminar um equívoco (v. 7a) que, certamente, perdurou por longo período e foi ocasião de disputas não somente entre Jesus e os seus contemporâneos, mas entre judeus e cristãos. O modo como Jesus interpretava e punha em prática a Lei de Moisés desconcertava a tal ponto que fazia com que seus contemporâneos e a geração posterior pensassem que ele desprezava e revogava a Lei de Moisés. As antíteses que se seguem (vv. 21-37) são o exemplo claro de que Jesus ultrapassa a letra da Lei, superando um rigorismo sufocante, considerado um fardo pesado que impedia de entrar na finalidade própria da Lei, dada por Deus ao seu povo para preservar o dom da vida e da liberdade. Parece que é exatamente isso que Jesus quer dizer ao afirmar que, para a comunidade que ele reúne, a justiça, isto é, o modo de proceder em conformidade com a vontade de Deus expressa na Lei, deve superar o rigorismo dos escribas e fariseus (cf. v. 20). É em Jesus que a Lei e os profetas alcançam o seu pleno cumprimento e sentido, pois apontam para ele. A expressão “Lei e os profetas” é um modo bíblico de designar a Escritura na sua totalidade. Esses dois termos estão intrinsecamente relacionados: a Lei é necessária para atestar e confirmar a veracidade da profecia; a profecia é necessária para interpretar e pôr corretamente em prática a Lei. Jesus não revoga a Lei de Moisés, mas, agora, na plenitude dos tempos, ela precisa ser interpretada à luz da revelação de Jesus Cristo (cf. Mt 5,17; 7,12; 22,40). No centro dessa “nova justiça” estão o amor, o perdão e a reconciliação, a misericórdia, a unidade e o acolhimento, que incluem e integram a todos na comunhão com Deus.

Carlos Alberto Contieri, sj


.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Realização da promessa



A festa da Apresentação do Senhor é celebrada quarenta dias depois do Natal. Remete-se ao século V. Comemora-se, nesse dia, o acontecimento bíblico relatado por Lucas em 2,22-40, relato próprio ao terceiro Evangelho.

O profeta Malaquias atuou em meados do século V a.C. A comunidade cristã que relê o texto do profeta Malaquias à luz da Ressurreição de Cristo encontra no trecho proposto para hoje uma clara referência a Jesus. A profecia serve de pano de fundo para o relato da apresentação do Senhor no Templo de Jerusalém e o reconhecimento do Messias por parte de Simeão e Ana. O texto distingue dois personagens, presentes nos relatos da infância: o “mensageiro” cuja missão é preparar o caminho, entenda-se, o caminho do Senhor (cf. Ml 3,1a); e depois, o próprio Senhor, a pessoa esperada e desejada que entra no seu Templo (cf. Ml 3,1b). Na releitura cristã da profecia de Malaquias, trata-se de João Batista e Jesus.

Lucas parece não ter nenhuma preocupação com a exatidão histórica e cultural. Originalmente, os costumes da apresentação e purificação da mãe são distintos; Lucas parece confundi-los. A prescrição para a purificação da mulher que deu à luz encontra-se em Lv 12,1ss. Lucas modifica Lv 12,6 – não é só a mulher que deve ser purificada, mas “eles” (cf. Lc 2,22). A prescrição quanto à consagração ou apresentação do primogênito ao Senhor encontra-se em Ex 13,1.11-12. O nosso relato baseia-se em 1Sm 1,22-28. O filho primogênito tinha que ser resgatado ao completar um mês do seu nascimento, mediante o pagamento de um ciclo de prata a um membro de uma família sacerdotal (Nm 3,47-48; 18,5-16). Lucas omite toda a menção do resgate do primogênito e transforma a cerimônia numa simples apresentação do menino no Templo de Jerusalém. Seja como for, e sem nos atermos a todas as possibilidades de interpretação, parece-nos que a intenção do evangelista é fazer com que o Antigo Testamento, representado por Simeão e Ana, tome, pelo Espírito Santo, a palavra para poder proclamar que a promessa de Deus foi realizada em Jesus (cf. Lc 2,29-32). Se a cada noite a Igreja canta o nunc dimitis, é para proclamar a cada dia a realidade da salvação oferecida indistintamente a toda a humanidade. É essa luz que ilumina todos os povos.


Carlos Alberto Contieri, sj


.