sábado, 15 de setembro de 2012

A identidade de Jesus





Jesus e seus discípulos partem para os povoados além das fronteiras da Galileia, ao norte. A partir de então Jesus decide tomar rumo ao sul, seguindo o caminho para Jerusalém, através da Judéia, em um ambiente exclusivamente judaico, para aí fazer seu anúncio libertador.

Aproxima-se a festa ritual da Páscoa judaica. É o momento oportuno para aprofundar a própria identidade de Jesus. Vai se encerrando o ministério na Galileia e vizinhanças, em ambiente predominantemente gentílico, para o confronto em Jerusalém, completando-se a missão de Jesus. 

Conforme as expectativas das elites religiosas e econômicas de Jerusalém, aguardava-se um líder, o messias, representado na figura do "Servo de Javé", das profecias de Isaías , o qual daria à Judéia um poder e status de acordo com antigo império de Davi, conforme as glórias que constavam na tradição. Na escatologia e na apocalíptica do Primeiro Testamento encontravam a esperança de Israel vir a ser uma nação hegemônica sobre todas as nações do mundo, em pleno poder e glória. Parte do povo assimilava esta tradição das elites, introjetando-a. Assim também acontecia com os discípulos de Jesus, originários do judaísmo. 

A questão da identidade de Jesus vinha sendo discutida entre o povo e as opiniões eram variadas. O próprio Herodes se interrogava sobre esta questão. Entre o povo, contudo, havia opiniões que identificavam Jesus com alguns líderes populares, contestadores do poder, como foram João Batista, Elias ou os profetas. 

Contudo, junto de Jesus, Pedro representando os discípulos, ao ser interrogado, externa sua opinião de que Jesus seria o messias ("cristo", do grego) esperado pelas elites. Jesus os repreende severamente, com o mesmo vigor que exorcizava os espíritos impuros. 

Em continuidade, Jesus prenuncia as perseguições que o ameaçam em Jerusalém, da parte das autoridades religiosas (primeiro "anúncio da Paixão"). Pedro rejeita o confronto com os possíveis sofrimentos e é repreendido mais severamente por Jesus. Jesus propõe as "coisas de Deus", a comunicação da vida, sem limites. Pedro atém-se às "coisas dos homens", à preservação do poder e à paz da ordem iníqua estabelecida. 

Jesus, então, retoma a instrução aos discípulos quanto ao despojamento e a disponibilidade a serem assumidos por eles. Perder sua vida por causa de Jesus é desprezar os sedutores projetos de sucesso de enriquecimento e de consumismo, oferecidos pelos poderosos deste mundo. Perder sua vida é ser para o outro, estar a serviço e em comunhão com os mais necessitados e excluídos, como Jesus. É viver o amor, comprometendo-se com a luta em vista da restauração da vida e da conquista da Paz. 

José Raimundo Oliva



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Abram-se os olhos e ouvidos fechados pela dureza interior




“Efatá!” é uma palavra chave na liturgia deste 23º Domingo do Tempo Comum. Palavra que o Senhor pronuncia para todos, a qual tem, para cada um de nós, uma ressonância pessoal. É fundamental que cada um de nós veja e pense no conteúdo dela.

“Efatá!”, palavra dita pelo Senhor quando o mar se abriu para a passagem dos escravos rumo à liberdade. “Efatá!”, disse Deus, e se abriram os céus sobre o batismo de Jesus e sobre a humildade do seu batismo; e abriu-se o paraíso sobre a cruz de Jesus, e o paraíso ficou à mercê dos ladrões; e se abriram os sepulcros, e os vencidos fugiram da morte. Esta palavra é dirigida agora a nós, a fim de que enxerguemos o caminho que nos conduz à salvação eterna.

Por isso, não diga: “Abrir-se-ão os olhos do cego e os ouvidos do surdo”. Mas que “abrir-se-ão os meus olhos e os meus ouvidos que estavam fechados por causa da dureza do meu coração, fruto do meu próprio pecado”.

Saiba que a palavra se cumpre, hoje, a profecia está se realizando neste Evangelho. A promessa se torna realidade, hoje e agora, com Cristo e em Cristo na sua vida. Corra e vá atrás d’Ele. E se não tem como, peça ajuda. Deixe-se ajudar. Não seja “cabeça dura”! Escute e siga as orientações, os conselhos da sua esposa, do seu marido, dos seus pais e filhos. Deixe de viver na noite e no mundo do erro, do pecado, da falsidade e da morte.

“Ah! Padre, eu não sou surdo nem mudo. Isso é uma ofensa!” Eu digo que sim. Somos “surdos”, por exemplo, quando não ouvimos o grito de ajuda que se eleva para nós e preferimos pôr entre nós e o próximo o “duplo vidro” da indiferença. Os pais são “surdos” quando não entendem que certas atitudes estranhas ou desordenadas dos filhos escondem um pedido de atenção e de amor. Um marido é “surdo” quando não sabe ver, no nervosismo de sua mulher, o sinal do cansaço ou a necessidade de um esclarecimento. E o mesmo quanto à esposa.

Estamos “mudos” quando nos fechamos, por orgulho, em um silêncio esquivo e ressentido, enquanto, talvez, uma só palavra de desculpa e de perdão poderia devolver a paz e a serenidade ao nosso lar. Os religiosos e as religiosas têm, no dia, tempos de silêncio e, às vezes, acusam-se na confissão, dizendo: “Quebrei o silêncio”. Penso que, às vezes, deveríamos nos acusar do contrário e dizer: “Não quebrei o silêncio”.

O que, contudo, decide a qualidade de uma comunicação não é, simplesmente, falar ou não falar, mas falar ou não fazê-lo por amor. Santo Agostinho dizia às pessoas em um discurso: “É impossível saber, em toda circunstância, o que é justo de se fazer: falar ou calar, corrigir ou deixar passar algo. Eis, aqui, então, que se dar uma regra que vale para todos os casos: “Ama e faz o que quiseres. Preocupa-te de que, em teu coração, haja amor; depois, se falas, será por amor; se calas, será por amor e tudo estará bem, porque do amor não brota mais que o bem”.

As histórias de cura, envolvendo as multidões de excluídos, carentes e adoentados, são a expressão da atenção especial de Jesus para com os pobres, em vista de lhes restaurar a vida, característica do Reino de Deus. A proclamação final - “faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” - indica o cumprimento da profecia atribuída a Isaías aos exilados da Babilônia; porém, agora, não restrita àquele povo que se julgava eleito, mas a todos os povos da terra sem discriminações. Jesus vem salvar as maiorias empobrecidas subjugadas pelas minorias que detêm o poder, resgatando a dignidade e a vida neste mundo.

Por isso, meu irmão e minha irmã, o segredo está em entrar em comunhão com Cristo ressuscitado. Você que estava morto veja, escute e entre com Ele pelas portas abertas de Deus.

Ó Senhor, tenho plena consciência de que Vossa voz ressoou no deserto - “Efatá!” – para que, do Céu, caísse como chuva o pão, e da rocha jorrasse água. “Efatá!”, dissestes e abristes, como que com uma faca, as águas do Jordão, as quais se tornaram porta pela qual entraram vossos filhos à terra das vossas promessas. Dignai-vos olhar para mim, para os meus olhos e ouvidos. Impõe sobre mim as Tuas mãos e liberta-me, cura-me do egoísmo que impede a comunicação com o meu próximo.



domingo, 2 de setembro de 2012

É do coraçao que saem as coisas boas




Jesus está diante de "inquisidores" enviados pelos chefes religiosos de Jerusalém à Galileia. Sua função é espiar Jesus e preparar o arquivo para a condenação. Todas as faltas devem ser anotadas. Então o questionam porque percebem que alguns discípulos seus comem com as mãos impuras. Estão infringindo a tradição dos antigos. Está em foco a questão da "tradição", que é mencionada seis vezes no texto.

No caso atual estão sendo feridos os códigos de pureza, que eram um dos elementos fundamentais para definir a identidade étnica e nacionalista do povo, dentro da reivindicada característica de superioridade da eleição por Deus. Jesus remove estes princípios exclusivistas afirmando o essencial para Deus: a vida e o amor para todos.

Com a citação do profeta Isaías, "é inútil o culto que me prestam, as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos" (Is 29,13...), Jesus questiona como o apego à tradição humana leva a abandonar o principal, o amor ao próximo, que é o mandamento de Deus.
 
Eram muitas "as leis e os decretos" a serem observados. Eles eram apresentados como o traço característico da superioridade do povo de Israel em relação aos outros povos (primeira leitura). Estas leis e decretos, apresentados como "Lei de Moisés", eram resultado de acréscimos sucessivos, ao longo do tempo, a partir do núcleo do Decálogo. Prevalecia neste conjunto de leis, criadas pelas elites religiosas do Templo de Jerusalém, a mera tradição humana que até chegava a opor-se ao verdadeiro projeto de Deus. Com sua ideologia estas leis geravam a humilhação e a submissão que abriam as portas para a exploração do povo fiel.

 
Com uma inversão, Jesus revela que a impureza é, na realidade, o apego à materialidade do culto, relegando a segundo plano, ou omitindo-se, os gestos concretos de amor ao próximo, aos mais carentes e necessitados. "A religião pura e sem mancha diante de Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se da corrupção do mundo" (segunda leitura). 


A partir do alimento que, sendo ingerido, segue o destino comum, Jesus destaca que o contraste pureza x impureza não está no exterior, corpo, ou nos alimentos, mas no coração. Comumente o coração é apresentado como fonte de pensamento e emoção. Aqui o coração é apresentado como fonte de ação, boa ou má. Os fariseus, apegando-se às tradições humanas e interesseiras, afastam-se da justiça de Deus em seus corações. 


José Raimundo Oliva