sábado, 16 de novembro de 2013

Ocasião para darmos testemunho.


O atraso da parúsia provocou muitas especulações acerca da “segunda vinda de Cristo”. Especulações estas que deram origem a um discurso milenarista. A expectativa da segunda volta de Cristo gerou, ainda, uma tradição de que alguns fenômenos atmosféricos anunciavam o fim do mundo e, mais, de que Deus seria o responsável, por causa de sua decepção ante a maldade do ser humano que ele criou. São Lucas, no entanto, vai se utilizar destes elementos para anunciar um tempo aberto na história para o testemunho: “Será uma ocasião para dardes testemunho” (v. 13).

A menção da destruição do Templo (vv. 5-6), que pode ser considerada uma profecia ex eventu, não é uma previsão do futuro, mas um modo de ajudar os discípulos e o leitor do evangelho a superarem as provações do tempo presente. Em outros termos, o que Jesus quer dizer é o seguinte: não importa o que aconteça, não se deve esmorecer, nem temer, nem ser envolvido pela perplexidade.

É preciso apoiar a vida em valores verdadeiros e sólidos. Até o Templo, ornado com tantas pedras preciosas (cf. v. 6), desaparecerá, pois ele figura entre as coisas que passam. A vida do ser humano deve estar apoiada no que não passa nem decepciona: Deus. As palavras de Jesus, inspiradas numa linguagem apocalíptica, não predeterminam nenhuma data, mas fazem um apelo ao discernimento permanente. Jesus evita responder à pergunta: “... quando será, e qual o sinal de que isso está para acontecer?” (v. 7). Mas alerta: “Cuidado para não serdes enganados…” (v. 8). Ele não responde à questão posta, pois a preocupação do discípulo não deve ser com o quando, mas com que atitude ter em meio às adversidades da vida e aos dramas da humanidade. Do discípulo é exigida uma atitude de confiança que nada pode abalar, nem mesmo as catástrofes naturais, nem as perseguições por causa do evangelho. A propósito das perseguições e da morte, é preciso pôr a vida nas mãos de Deus: em primeiro lugar, como dissemos, será uma ocasião de dar testemunho (cf. v. 13) e, em segundo lugar, de confiar que é Deus quem inspira, dá força e protege a causa de seus eleitos. Nos Atos dos Apóstolos, o próprio Lucas relata a atitude de Pedro e João, perseguidos pelas autoridades judaicas: “Quanto a eles, deixaram o Sinédrio muito alegres por terem sido julgados dignos de sofrer humilhações pelo Nome” (At 5,41). É na vitória de Jesus Cristo que deve estar apoiada a esperança dos cristãos: “No mundo tereis tribulações, mas coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33). Com São Paulo podemos, então, nos perguntar: “Quem nos separará do amor de Cristo?”. E com ele respondermos: nada nem ninguém (Rm 8,31-39).


Carlos Alberto Contieri, sj

FONTE: http://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=evangelho
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sábado, 9 de novembro de 2013

Deus é surpreendente


Agora, é a vez dos saduceus. Eles não são propriamente um grupo religioso, mas uma espécie de aristocracia ligada ao Templo de Jerusalém. Eles não acreditam na ressurreição dos mortos (cf. v. 27; At 23,8), ao contrário dos fariseus. Considerando o modo como eles apresentam o caso, a ressurreição na concepção deles é uma espécie de prolongamento ou repetição da vida presente. O caso apresentado por eles é absurdo e, provavelmente, com o intuito de ridicularizar a fé na ressurreição (vv. 19-23). Para isso, recorrem à lei do levirato (= cunhado): “Se dois irmãos viverem juntos e um deles morrer sem filhos, a viúva não sairá de casa para casar-se com um estrangeiro; seu cunhado se casará com ela e cumprirá com ela os deveres legais de cunhado; o primogênito que nascer continuará o nome do irmão morto, e assim não se apagará o nome dele em Israel” (Dt 25,5-6). Na resposta, Jesus revela a ignorância deles: interpretam mal a Escritura e desconhecem o poder de Deus, supondo que a morte anularia o poder de Deus. Eles pensavam, como dissemos, que a ressurreição fosse continuidade da vida terrena. Engano! Deus é surpreendente. É preciso se abrir à novidade de Deus e nele esperar: os que forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição dos mortos não se casam; e já não poderão morrer” (vv. 35-36). Pensaram poder falar da ressurreição prescindindo de Deus. Ora, sem a relação ao Deus dos vivos, a própria Escritura é letra morta. Jesus faz remontar a Moisés a crença na ressurreição: “Que os mortos ressuscitam, também foi mostrado por Moisés, na passagem da sarça ardente, quando chama o Senhor de ‘Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó’” (v. 37).
A ressurreição não pode ser pensada como pura e simples continuidade de nossa vida terrestre. Há uma ruptura com nossa vida neste mundo: “Neste mundo, homens e mulheres casam-se”, mas no mundo futuro e na ressurreição não se casam (v. 34.35). Os ressuscitados têm um ponto em comum com os anjos: eles não podem mais morrer; logo, não necessitam de descendência. Deus é o Deus dos vivos (cf. v. 38): “Ninguém de nós vive e ninguém de nós morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos” (Rm 14,7-8).


Carlos Alberto Contieri, sj

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Acolher a presença de Deus é o caminho da santidade.


A festa de todos os santos e santas de Deus é uma festa antiga. Já no segundo século, a Igreja celebrava a memória dos seus mártires para que, tendo presente o seu testemunho, a comunidade se mantivesse fiel no testemunho de Jesus Cristo. É uma festa para nós. A porta do céu se abre não para nos abstrairmos do mundo, pois, aqui, é o lugar de vivermos a nossa vocação à santidade, mas para considerarmos o compromisso próprio do nosso chamado a partir do céu, inspirados pelo testemunho daqueles que nos precederam na fé. Em todos os santos e santas de Deus se cumpre a Palavra do Senhor. À afirmação de Pedro: “Olha, deixamos tudo e te seguimos!”, que recompensa terão? Jesus responde: “Nessa vida perseguições e tribulações. Mas, depois, a vida eterna” (Mc 10,28-30).

As bem-aventuranças fazem parte do longo discurso denominado sermão da montanha (Mt 5–7); fazem parte de um gênero literário bastante atestado no Antigo Testamento. A primeira bem-aventurança é o fundamento de todas as demais: “Felizes os pobres no espírito, porque deles é o Reino dos céus” (v. 3).
 Há um espírito dentro do ser humano; ele o recebeu de Deus, que o chamou à existência (cf. Gn 2,7). A pobreza de espírito é uma pobreza em relação a Deus: diante de Deus o ser humano se encontra “desnudo”. Viver essa realidade de maneira concreta é assumi-la com um coração puro, experimentá-la no mais profundo do ser, lá onde aflora a presença de Deus. Nesse sentido, as bem-aventuranças são um apelo ao discípulo a viver a vida referida a Deus e na confiança nele, num compromisso efetivo com o Reino de Deus e na esperança de que a recompensa vem do alto. O que cada bem-aventurança promete, a realidade escatológica, é o fundamento da vida moral, do modo de agir do cristão.

O livro do Apocalipse foi escrito com a finalidade de encorajar os cristãos a que, mesmo na perseguição implacável, guardassem a palavra de Cristo, não renunciassem à fé e aos valores da vida cristã. Ele tira para a vida dos cristãos as consequências do mistério pascal do Senhor. O que encoraja a Igreja peregrina é considerar a Igreja triunfante. A multidão numerosa vestida de branco são os que por Cristo deram as suas vidas e no Cristo participam da sua gloriosa ressurreição. São os que confiaram plenamente no Senhor: “Todo o que espera nele purifica-se, como também ele é puro” (1Jo 3,3).

É preciso, por fim, dizer que o que nos faz santos é a presença de Deus em nós. Acolher esta presença, deixar-se conduzir por ela, é o caminho da santidade.


Carlos Alberto Contieri, sj

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