domingo, 17 de janeiro de 2016

O vinho bom


Gosto de entrar neste casamento de Caná assim à maneira de “fura-casamentos”, e imaginar-me nalgum dos papéis que o evangelista João nos apresenta. Talvez como um discípulo, contente por também ter sido convidado para a festa e saborear aquela alegria de estar à mesa com Jesus. Talvez como Maria, atenta e intérprete da aflição que está prestes a explodir, e humilde para pôr a situação nas mãos de Jesus. Ou como algum dos criados a encher até cima as talhas de água, sem perceber nada como é que isso iria resolver o problema. Quem sabe não poderia ser o chefe de mesa que bebe a água transformada em vinho e fica tão maravilhado que vai pedir explicações ao noivo. Ou talvez o noivo que fica sem palavras mas com a festa salva! E atrevo a colocar-me no lugar de Jesus, a adiantar a hora daquela boda que vai fazer na páscoa, quando o vinho fôr sangue, e a festa fôr “amar até ao fim”. Da Caná de hoje, visitada já há mais de uma década, lembro um vinho que “não chega aos calcanhares” de muitos bons néctares lusitanos!
É espantoso que o primeiro sinal da vida de Jesus (assim chama João aos sete “milagres” de Jesus que são o fio condutor do seu evangelho) seja numa festa, distante dos lugares religiosos (os casamentos não se faziam no templo ou na sinagoga, com o espavento de espetáculo a que está muitas vezes associado), sem ressuscitar ninguém nem curar cegos ou paralíticos. Acontece numa festa que estava prestes a ser um fiasco. De um modo tão discreto que nem os noivos nem o chefe de mesa  se dão conta. A palavra da mãe de Jesus grava-se no nosso coração: “Fazei o que Ele vos disser”. É o que Maria está sempre a dizer-nos. E da água que é vida, mas aqui significava mais purificação religiosa, ritualismo infindável que gerava escrúpulos e preconceitos, distinções e méritos, Jesus faz vinho, festa gratuita e abundante, subversão e inconformismo que inverte os esquemas arrumados e aprisionados do amor: “guardaste o vinho bom até agora”. Ah, que graça e que espírito tem este vinho bom tocado por Cristo, e nós, tantas vezes, a beber e a servir “zurrapas” de uma fé acomodada, de uma esperança passiva, de uma caridade “quanto baste”. A hora de Jesus começada na Páscoa é um hoje contínuo, em que a alegria e a festa não são para adiar, em que o que partilhamos é que nos faz felizes (não aconteça como aquele homem que guardava vinhos excelentes para saborear, um dia, com os amigos, mas morreu antes de abrir uma só garrafa!).
Se o vinho que Jesus oferece é a graça e o amor abundante de Deus, podemos encontrá-los na riqueza dos dons que cada um de nós tem e faz crescer (graças a Deus que ainda não pagam impostos!), na vida que frutifica apesar da crise. E a unidade dos cristãos, pela qual rezamos nestes dias, é tanto maior quanto mais somos como Jesus, a salvar em festa a vida que estava quase a ser desgraça. O pior é se já não bebemos nem damos a beber o vinho bom!
padre Vitor Gonçalves

FONTE: http://homiliadominical2.blogspot.com.br/
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