À notícia do
Batismo de Jesus no evangelho de Marcos (Mc 1,9-11), Mateus acrescenta um
diálogo entre João Batista e Jesus, cujo objetivo é afirmar que Jesus é maior
que João Batista. A finalidade da perícope do Batismo de Jesus é, desde o
início do relato evangélico, afirmar a identidade e a missão de Jesus.
O trecho do livro do profeta Isaías proposto para
este domingo é parte de um dos cânticos do servo sofredor. Lembre-se de que no
texto de Isaías por ele mesmo o servo é todo o povo de Israel. A releitura
cristã dos “cânticos do servo sofredor” transformará esse personagem coletivo
num indivíduo: o servo, por excelência, é Jesus, o Cristo. No trecho que nos é
proposto, trata-se, fundamentalmente, da eleição e da missão do servo do
Senhor. Israel é escolhido por Deus. O texto pode ser dividido em duas partes:
vv. 1-4, apresentação do servo por parte de Deus, e vv. 6-7, diálogo do Senhor
com o servo, no qual se explica a sua eleição e a sua missão. Como no texto do
evangelho que cita, transformando o texto de Isaías (42,1; Mt 3,17), é Deus
quem apresenta o seu servo. A missão do servo é escolha de Deus. O sustento do
servo na realização de sua missão é o Espírito. A missão do servo (Is 42,6-7)
tem uma dupla característica: é mediador da Aliança e libertador dos cativos.
Desde o Antigo Testamento, essas duas realidades estão intrinsecamente
relacionadas: o Deus que faz Aliança com o seu povo, é o Deus que o libertou do
país da escravidão para a vida (cf. Ex 20,1; Dt 5,6).
Por que Jesus, segundo o nosso texto, se submeteu
ao Batismo de João (cf. Mt 3,15)? O Batismo de João era para a conversão, o
arrependimento, o perdão dos pecados (cf. Mt 3,1). Jesus não tinha pecado (cf.
Hb 4,15), embora tenha sido tentado. A resposta só pode ser esta: para ser
solidário com a nossa humanidade pecadora. É por essa razão que o autor da
carta aos Hebreus pode afirmar que ele se compadece de nossas fraquezas, pois
ele mesmo foi provado, sem sucumbir (cf. Hb 4,15). O gênero literário da cena
do Batismo é “visão interpretativa”: a voz celeste interpreta a katabasis
(descida) do Espírito. Os céus se abrem para que desçam sobre a terra as
realidades celestes (cf. Is 63,19 ou 64,1), em nosso caso o Espírito que
reveste Jesus com o seu poder para a missão que ele recebe do Pai. A voz serve,
ainda, para declarar a identidade de Jesus: é o Filho em quem o Pai habita.
Carlos Albert Contieri, sj
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